Investimentos, Créditos e ESG

O conceito de Environmental, Social and Governance (ESG) criado em 2004, numa parceria do Pacto Global da ONU com o Banco Mundial, foi inicialmente direcionado às principais instituições financeiras do mundo, a fim de se incorporar a integração de fatores ambientais, sociais e de governança ao mercado de capitais. De 2004 pra cá, o ESG se transformou em meta do mundo corporativo, num caminho contínuo de aperfeiçoamento naquelas áreas. A ideia de governança sustentável tomou força, agora não só na esfera pública, mas sobretudo no setor privado.

No âmbito político brasileiro, na semana passada o vice-presidente Geraldo Alckmin tomou posse como ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), e, durante seu discurso, defendeu a urgência de reindustrialização do Brasil baseada na visão de desenvolvimento econômico que se coadunasse com uma economia verde e sustentável. Alckmin destacou a importância da agenda da sustentabilidade para o futuro da indústria no país. Também o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse, em cerimônia em razão de sua posse, que enviará ao Congresso brasileiro uma proposta de medidas visando ampliar a confiança de investidores e cidadãos na política econômica brasileira, por meio de um “plano de sustentabilidade social, ambiental e econômica de longo prazo”.

Dentre os assuntos primordiais na Agenda ODS/ESG está a transição energética. Essa, que vinha a passos moderados em muitos países, viu aceleração do seu processo pela recente crise energética global desencadeada pelo conflito Ucrânia versus Rússia. Esse conflito vem causando repercussões em diversos setores geopolíticos e econômicos, e uma das áreas mais impactadas foi o abastecimento europeu, que dependia dos gasodutos russos para fornecimento de gás natural. Também em face desse acontecimento recente, a necessidade de adoção de fontes energéticas renováveis e a descarbonização do ambiente se intensificou nas principais pautas político-econômicas da atualidade. Nesse processo, tecnologias ainda em estágios iniciais, como o hidrogênio, recebem investimentos bilionários para ganhar escala – inclusive no Brasil, país cuja vocação natural para a produção de energia de fontes renováveis (eólica e solar/fotovoltaica) é invejada por grandes nações do Globo.

Vale notar que enquanto a crise de abastecimento de energia (renovável) assume caráter global, aqui na América do Sul o Uruguai praticamente concluiu sua transição energética para fontes renováveis. O país cumpriu um plano de cerca de 15 anos, e hoje praticamente toda a energia elétrica consumida no país provém de fontes renováveis. Essa foi a solução acertada de um dos nossos mais charmosos vizinhos, uma combinação de matrizes limpas que solucionou problemas de apagões e racionamentos frequentes, além de diminuir a dependência da importação de energia da Argentina e do Brasil no setor.

As instituições financeiras também vêm se posicionando frente às iniciativas de ESG, e esses critérios têm influenciado as decisões dessas instituições ao definir seus portfólios de investimento, concessões de empréstimos e financiamento de projetos de sustentabilidade. As instituições financeiras, aliadas às autoridades regulatórias, consumidores e a busca por resultados financeiros em longo prazo, têm causado clara e continuamente um movimento das corporações em busca dessa nova variável que veio somar aos negócios, ou seja: as metas socioambientais.

Nesse cenário, apesar de uma queda em 2022, um ano difícil em termos de investimentos em sustentabilidade, os volumes de títulos ESG aumentaram nos últimos anos. O banco de investimento britânico Barclays tem a expectativa de que as vendas de títulos ESG cresçam 30% em 2023, e se recuperem para quase os mesmos níveis de 2021. De fato, fala-se que não faltará dinheiro para empresas que tiverem projetos baseados em critérios ESG. O Brasil, por exemplo, assume o topo da lista de destinatários latino-americanos dos investimentos realizados pela Proparco, unidade de financiamento ao desenvolvimento econômico pertencente à Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD). Nesses 15 anos, a Proparco já financiou 35 projetos locais, que totalizam US$ 1,3 bilhão. A condição é que os projetos candidatos aos financiamentos estejam alinhados ao Acordo de Paris e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

Vale frisar aqui o impressionante rumo que as instituições financeiras, globais ou não, públicas e privadas estão tomando. Globalmente percebe-se a formação de um desenho que inclui a sustentabilidade como estratégia no âmbito dessas instituições. O último Relatório Coletivo de Progresso, do programa Princípios da ONU para Bancos Responsáveis informou que, em todo o mundo, 94% das instituições financeiras já reconhecem a sustentabilidade como uma prioridade estratégica. O Barclays, por exemplo, aumentou sua meta de financiamento sustentável para US$ 1 trilhão até 2030. A nova meta daquele banco de investimentos visa financiamento de projetos que envolvam energia renovável, hipotecas ecológicas, e até moradias populares.

Em termos de bancos públicos, por exemplo, a EVE, a startup de eVTOLs controlada pela EMBRAER, acaba de fechar um financiamento de R$ 490 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo a empresa brasileira de aviação, o financiamento do BNDES cobre 75% do funding para essa fase inicial de desenvolvimento do produto, que é estimado em R$ 652 milhões. Parte dos recursos do BNDES (R$ 80 milhões) vem do Fundo Clima, pelo produto da Embraer se adequar a padrões que contemplam o desenvolvimento de um produto com tecnologia inovadora cujo propósito é a mitigação da emissão de gases de efeito estufa.

Com relação ao crédito para projetos sustentáveis no que tange a questões socioambientais e de governança, a Moody’s Corporation, empresa americana de serviços financeiros, que atua na análise de risco, divulgou no último dia 10 em seu relatório que riscos ambientais, sociais e de governança devem afetar a qualidade do crédito corporativo em 2023. Os focos são principalmente os planos de descarbonização das empresas e a pressão para que as corporações coloquem o net zero (neutralidade de carbono) em prática. A tendência, segundo o relatório, será a exigência de metas claras e lastreáveis para melhor atrair o investidor.

E por falar em transparência, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está atenta ao progresso desse cenário que se desenrola, criando novas regras para fundos de carbono e rotulagem ESG no final de dezembro de 2022. A CVM publicou o que vem sendo chamado de novo marco regulatório para os fundos de investimento, que, entre outras questões, regulou dois temas dentro do universo dos investimentos sustentáveis: definiu de forma clara quais fundos podem carregar rótulos como ESG, sustentável e afins em seu nome; e classificou créditos de carbono – e CBios – como ativos financeiros, o que significa que poderão ser criados fundos com esses ativos em carteira de agora em diante.

A atitude da CVM não é isolada, já que autoridades reguladoras no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos etc., estão melhor delimitando os critérios ESG. Os cuidados são para que não se desvirtue esses critérios, fechando-se o cerco para as empresas que praticam ou pretendem praticar o greenwashing. Por outro lado, a pressão cada vez maior por transparência e consistência das boas práticas socioambientais também gera resistência por parte de certos investidores e empresas. Isso especialmente nos Estados Unidos, onde as práticas corporativas sustentáveis vem sendo rejeitadas por um número crescente de políticos conservadores. Mas no cenário global essas vozes não chegam a fazer eco.

Como visto, hoje os planos e metas econômicas levam em conta a transição para uma economia de baixo carbono, mais sustentável, passando pela gestão de riscos ambientais e atenção aos compromissos internacionais relacionados às questões relacionadas aos direitos humanos. Análises realizadas por várias instituições financeiras de prestígio, entre as quais o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sinalizam que empresas que investem em critérios ESG tendem a ser mais rentáveis em longo prazo, quando comparadas a demais investimentos ditos tradicionais. Maiores oportunidades de créditos e diminuição de risco são outras vantagens que trazem perenidade e prosperidade aos negócios, e que devem ser aproveitadas.

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