O Futuro, o Tempo e o surgimento de uma Nova Cultura nos Negócios

Você tem ideia do que seja Environmental, Social, and Corporate Governance – ESG, mas ainda acha que não vale a pena pegar essa onda? Você pensa e aposta que a gestão tradicional de sua organização é eficaz, com rendimentos crescentes e certa estabilidade contábil-financeira, e por isso não será preciso se adequar às novas diretrizes, agora vindas do mercado? Pois é. Talvez você precise olhar o que está acontecendo à sua volta no mundo e, especificamente, no Brasil.

Sim, vivemos em tempos de emergência climática, e, conforme o conteúdo do 6º Relatório do GT I do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), se mantivermos uma economia à base de carbono a temperatura global continuará aumentando. Essa “emergência”, situação crítica ou perigosa, já é nomeada no Judiciário como “litigância climática”, e no Brasil, embora não tenhamos a obrigação direta de redução de Gases de Efeito Estufa (GEE), nossas Cortes são palco e fonte de questionamentos e determinações sobre o assunto.

Não, ainda não estamos fazendo o necessário para alterar esse crítico cenário da nossa relação com o clima da Terra. O comprometimento dos países ainda é considerado inadequado ou insuficiente, por isso seguimos rumo ao aumento de temperatura em níveis que trarão conseqüências bem desagradáveis aos humanos e demais seres. O prognóstico é de que as metas anunciadas pelos países em 2022 reduziriam menos de 1% das emissões projetadas para 2030, muito longe da queda de 45% necessária para limitar o aquecimento global a 1,5°C, prevista no Acordo de Paris (no Brasil, art. 2º, “a”, Decreto nº 9.073/17).

Nesse cenário, o ESG vem com tudo! As organizações, que normalmente são apontadas como as principais responsáveis pelo problema ambiental, são convidadas a se alinharem a uma política socioambiental e de governança mais responsável. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, 50% das emissões globais de CO2 estão concentradas em 8 cadeias de suprimentos: alimentação, construção, moda, bens de consumo, eletrônicos, indústria automotiva, serviços profissionais (consultorias e auditorias, que geram grande pegada de carbono por causa das constantes viagens de deslocamento) e transporte de carga.

E, em linhas gerais, o que vem acontecendo no Brasil nos últimos tempos?

No último século, presenciamos a transição basicamente de uma economia industrial para uma economia digital baseada no capital intelectual. Foi um período em que os chamados valores intangíveis adquiriram significativa relevância na determinação do valor das empresas. De acordo com a Ocean Tomo, empresa de propriedade intelectual que oferece produtos e serviços financeiros, ativos tangíveis como máquinas, imóveis e estoques representavam 83% do valor de mercado do índice S&P 500 em 1975, proporção que caiu para 10% em 2020. Já os valores intangíveis (não financeiros) como a cultura corporativa, a qualidade da gestão, a sensibilidade às questões socioambientais etc. passaram a assumir maior relevância na determinação do valor intrínseco das companhias.

Nessa transição, as práticas relacionadas ao ESG ocuparam evolutivamente nas últimas décadas as agendas das organizações. As empresas estão se alinhando estrategicamente àqueles padrões, utilizando métricas por meio das quais os resultados de suas ações são comunicados ao mercado. A dinâmica envolve a implementação dos critérios ESG; comunicação ao mercado e demais stakeholders do conteúdo das metas; e a demonstração de como a empresa chegou nelas. Isso mediante um processo que inclui o uso de ferramentas adequadas à mensuração dos resultados.

Proponho, então, um breve giro em torno de alguns acontecimentos/exemplos recentes, para termos uma ideia de como o cenário econômico vem se alterando de forma acelerada:

A empresa Suzano, empresa brasileira líder mundial no mercado de papel, pensando no futuro da companhia, está plantando 1,2 milhão de árvores, combinando crescimento econômico e entregando valor para os acionistas. As árvores são plantadas e preservadas para a retirada de celulose, energia e seqüestro de carbono.

A McKinsey – empresa norte-americana que presta consultoria estratégica para empresas, governos e outras organizações – apontou em 2021 que o termo ESG é primordial em questões como investimentos, fusões e aquisições de negócios. No mesmo ano, a também consultora KPMG, lançou um estudo levantando tópicos relevantes para o ESG. Esse estudo mostrou que empresas com mulheres líderes têm 54% de desempenho na área ambiental, 53% na social e 48% em governança. Em empresas com a ausência de mulheres em posição de liderança, os percentuais caem para 40%, 42% e 46%, respectivamente. O estudo ainda apurou que 72% das empresas com mulheres no conselho têm notas de ESG elevadas. Nas empresas onde não há mulheres nos conselhos, apenas 24% alcançaram um bom desempenho.

A EcoSecurities, empresa especializada em mercados de carbono e projetos de mitigação de gases de efeito estufa (GEE) em todo o mundo, lançou em 2022 o Projeto Ybirá, voltado para o reflorestamento com vegetação nativa em 5 Estados brasileiros, num total de 56 mil ha a serem recuperados até 2030. O projeto prevê investimento de cerca de R$ 1,5 bilhão por meio da venda de créditos de carbono, com uma meta de retirada da atmosfera de 15 milhões de toneladas de carbono até aquele prazo.

A empresa Aliansce Sonae, que opera 26 shoppings centers no Brasil, definiu suas metas ESG a serem alcançadas até 2030. Em razão disso, a participação de lideranças negras na companhia, que hoje é de 32%, deve chegar a 44%; e a presença de lideranças femininas deve aumentar de 44% para 50%. No conjunto das metas ainda há a previsão de aumento de 76% para 100% a energia proveniente de fontes renováveis.

O número de empresas que relatam suas emissões de carbono no Brasil dobrou nos últimos 3 anos, sendo um recorde no país. Segundo levantamento do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGVces), 305 companhias publicaram inventário de gases de efeito estufa em 2021, o que representa um aumento de 108% em relação a 2018, quando 145 organizações publicaram seus relatórios. Tomando-se o ano de 2020 como referência, o crescimento no número de empresas foi de 60%, saindo de 192 para 305. O estudo considera os dados do Registro Público de Emissões, plataforma que integra o Programa Brasileiro GHG Protocol, que é considerada uma das principais bases de dados para esse tipo de diagnóstico.

Dentre as inovações tecnológicas que pipocaram nos últimos tempos, a empresa CJ Selecta, que produz derivados de soja para ração, criou um aplicativo, o Soy Trace, para mostrar a seus clientes no exterior todo o caminho do grão cultivado no Brasil até a sua chegada à ponta final, e demonstrar quais os riscos socioambientais envolvidos nesse processo. O aplicativo representa o papel da tecnologia em atendimento às exigências dos stakeholders, nesse caso especialmente dos consumidores, auxiliando a empresa no cumprimento de requisitos da regulamentação europeia que está em tramitação e deverá exigir due diligence das supply chain de produtos agropecuários importados.

A multinacional brasileira Weg (Jaraguá do Sul/SC), uma das maiores fabricantes do mundo de motores elétricos para a indústria, agora está trabalhando com a eletrificação do transporte pesado. A Weg é responsável pelo motor do primeiro caminhão elétrico 100% brasileiro, o e-Delivery, da Volkswagen. Os primeiros 350 veículos já estão sendo usados por empresas como Ambev, Heineken e Femsa.

Como oportunidade para as micro e pequenas empresas, o Grupo Brasil Mata Viva (BMV) criou Unidades de Crédito de Sustentabilidade (UCS), o que conferiu a opção daquelas empresas adotarem padrões ESG. As companhias compram os créditos com a expectativa de, no futuro, terem acesso a taxas diferenciadas em captações de recursos financeiros.

Em termos internacionais, a pressão sobre o Brasil e outros membros do G-20 cresce, para que os países se comprometam com metas mais ambiciosas de redução de gases de efeito estufa. A União Europeia se movimenta e envia vários recados nos últimos anos. Já o governo norte-americano deu novo passo para definir restrições comerciais visando proibir commodities oriundas de áreas desmatadas. Há previsão de que essa medida impacte ao menos 10% das exportações brasileiras para o mercado estadunidense. O Departamento de Estado americano, em conjunto outras agências governamentais, abriu uma consulta pública para recolher opiniões sobre os melhores meios para limitar ou remover cadeias de suprimento de commodities ligadas ao desmatamento, isso tudo num movimento de incentivo à aquisição de commodities agrícolas produzidas de forma sustentável.

Notícia recente também apontou que, focados na pegada de carbono de seus portfólios, os investidores pressionam empresas de alimentos a trabalharem com metas climáticas, é o que afirmou Bas Rüter, chefe global de transição do sistema alimentar do Rabobank, um credor holandês especializado em agronegócio. Segundo Rüter “Depois do setor de energia, o setor de alimentos e agricultura é o segundo maior setor que contribui para as mudanças climáticas – os investidores estão cientes disso.”

Numa outra frente, a Comissão Europeia anunciou em 2021 que começará um trabalho com parceiros internacionais na criação de um selo de eficiência energética para criptomoedas como o bitcoin. O projeto é uma tentativa de conter o crescente consumo de eletricidade do setor. Também representa uma medida para incentivar sistemas cripto mais ecológicos.

Por fim, apesar dos grandes desafios que se tem pela frente em termos de sustentabilidade, estão se abrindo múltiplas oportunidades rumo a melhores caminhos e resultados, sobretudo em termos de negócios sustentáveis no Brasil. Mas não há muito espaço para delongas ou esperas, as organizações precisam assumir o protagonismo em termos de práticas ESG. A leitura do atual cenário é simples nesse sentido.

A adoção de padrões ESG pelas organizações tem gerado nos últimos anos, uma alta demanda por serviços jurídicos relacionados ao assunto, em áreas como social, societária, trabalhista, e sobretudo ambiental, chamando a atenção para a necessidade de saberes e times multidisciplinares para o adequado tratamento do tema.

Nesse processo, o tempo é um elemento valiosíssimo, tanto para o Planeta, quanto para a reestruturação das empresas rumo a uma cultura sustentável. E o tempo corre em favor de quem sabe dançar a dança dos novos tempos. A questão socioambiental relacionada a uma governança estratégica deixou, enfim, de soar como perfumaria, e assume contornos de sobrevivência das organizações e prosperidade dos negócios.

Não sei se esse “ajuste” num modelo de capitalismo desenfreado terá, por si só, condição de salvar o Planeta, mas estávamos rolando de um precipício em alta velocidade, e agora me parece que temos freios.

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